Artigo publicado na Revista Saúde Notícias (Jornal Económico): O Luto é o Pulsar da Vida

18-12-2020

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O luto individual e o luto social são fenómenos psicossociais durante o quais precisamos de nos reestruturar face à dor.

A crise epidemiológica atual trouxe o tema da morte para o palco mediático num cenário em que a sociedade ocidental descuidava da morte e do morrer, apartada da dignidade devida. Agora, com o planeta a contabilizar diariamente números crescentes de óbitos, parece certo dizer que a morte se tornou protagonista e que o mundo está de luto.

Antes, a morte e o morrer eram temas tabu. Hoje, somos conduzidos a olhar o nosso próprio fim, porventura próximo. Olhamos para a velhice com uma perspetiva de impermanência que, se vivermos o suficiente, acabaremos por experienciar. E todos acumulamos na mente a perceção de finitude pois, à nossa volta ou na intimidade, aprendemos a reconhecer um conjunto de circunstâncias psicossociais que perdemos para sempre.

Até há pouco tempo, vivíamos lutos individuais. Hoje, temos a visão do luto global.

Em cada sessão de psicoterapia o tópico "luto" é agora central. Com efeito, em muitas famílias que procuram apoio, a presença infeliz de uma perda, concretizada ou muito provável, conduz à reflexão sobre os modelos do luto e aos seus horizontes biopsicossociais. Todavia, hoje todos reconhecemos o derrube de fronteiras geográficas e sociais que à morte assiste.

Observo que esta diferença nos vai forçar a introduzir mudanças sobre as nossas trajetórias futuras e que as pessoas se sentem perdidas de uma forma singular.

O luto é o pulsar da vida. Atualmente desmascarada esta evidência e destapado o véu que nos faz olhar a finitude sem a dissimular, precisamos agir sobre as inúmeras perdas que temos pela frente.

Em termos individuais, o luto (e as suas dimensões) engloba processos psíquicos de uma complexidade ímpar. Quanto mais vinculada for a relação da pessoa com o objeto da perda, mais dolorosa é a sua condição e, eventualmente, mais penoso o caminho. Assim, o apoio profissional é essencial para o resgatar da saúde do indivíduo.

A terapia de luto não devolve o passado. O objetivo é restaurar a relação da pessoa que sofre com os novos domínios existenciais, auxiliando-a a integrar as perdas no seu processo de vida.

Globalmente, como vão as sociedades reagir ao movimento doloroso de milhões de pessoas subitamente em lutos de diferentes matizes? Como vamos auxiliar as comunidades a desconstruir a multiplicação das perdas?

Dada a nitidez das múltiplas dores que a pandemia força a experienciar, é essencial que os profissionais de saúde reflitam sobre a capacidade das pessoas integrarem no quotidiano esta recente perceção das fragilidades comuns. Por outras palavras, se a presença da dor é levada para o palco de uma dimensão coletiva, temos de oferecer às sociedades a hipótese de trabalharem os mecanismos de integração de todas as suas perdas.

À escala que vivemos esta crise, não podemos trabalhar os impactos individuais e sociais do luto de forma separada, sob pena de um colapso social. As sociedades necessitam de um compasso para encontrarem mecanismos de integração das perdas e sofrimentos, até hoje, incontáveis. 

Fernanda Barata

PURA SUPERAÇÃO