Estar Doente e Ser Doente: diferenças que fazem a diferença.
Hoje, quando olhamos para o contexto psicossocial, encontramos poucos modelos de ser saudável, mas muitos modelos de ser doente.
A doença é um substantivo ligado tanto
ao corpo físico quanto ao domínio psíquico, bem como às circunstâncias sociais
e espirituais do individuo que dela padece.
Ao retirar o indivíduo do seu estado de bem-estar, a doença começa por desenvolver com ele um diálogo muito próprio baseado no que esta pessoa sente, acredita, conhece e desconhece sobre a sua saúde. A partir daí, toda uma relação interior se vai desenrolando em circuito fechado: com os medicamentos que lhe foram prescritos, com os sintomas que vai detetando, com as interrogações que coloca. Este diálogo interior integra ainda as suas expectativas relacionadas com a esperança da sua recuperação e com a articulação das crenças herdadas do contexto social.
Aqui, embora nem sempre a pessoa doente tenha consciência, entram em ação as incertezas acerca da precisão do diagnóstico, da confiança nos profissionais de saúde, nos tratamentos, nos atos cirúrgicos que contribuem decisivamente para a perceção de ameaça, colocando ao indivíduo barreiras psicológicas que não são benéficas. Assim, são progressivamente removidos os fatores protetores que ajudariam ao desenvolvimento da aceitação, capacidade de oposição e reconstrução, face aos desafios que o indivíduo tem pela frente. Sem capacidade de se autoconstruir positivamente, a doença para este individuo passa a ser um estado definitivo de ser e não um estado transitório de estar.
A pessoa deixou de estar doente para passar a ser doente.
Hoje, quando olhamos para o contexto psicossocial, encontramos poucos modelos de ser saudável, mas muitos modelos de ser doente. Estes diversos modelos de ser articulam-se em estruturas de crenças que determinam, muitas vezes de forma inconsciente, o modo como abordamos a doença. O diálogo que o indivíduo, agora doente, desenvolve com a doença diagnosticada é, por conseguinte, de extrema importância. Ele funciona num patamar intrapsíquico onde ocorrem os medos que atormentam, os silêncios próprios de um encontro intrapessoal onde tudo parece resumir-se à dimensão única da doença.
Este contacto de intimidade que o indivíduo gera com a doença é de tal forma poderoso que, frequentemente, a pessoa passa a dizer "a minha doença" declarando-a sua: "o meu cancro", "a minha demência" ou "a minha depressão", para dar três exemplos comuns.
Por conseguinte, para muitas pessoas estar doente não é apenas a condição de perda do bem-estar físico, mental e social; é um estado de ser, uma definição ontológica, uma radical afinidade com a patologia que se torna redutoramente pessoal. Assim, esta apropriação auto possessiva confere ao individuo o estado de 'ser doente' apesar de, na maior parte das circunstâncias, este indivíduo procurar, como objetivo, recuperar a condição de saúde perdida.
Se a sociedade sustenta a crença auto possessiva de "ser doente", é natural que surja um modelo de tratar a doença que não beneficia a abordagem terapêutica, até porque os próprios profissionais de saúde tenderão, inconsciente e naturalmente, a adaptar as suas intervenções de forma a atender os seus utentes de acordo com esta crença.
Isto é particularmente importante quando as pessoas vêm as suas vidas definidas em torno de uma patologia ou condição permanente. Nestas circunstâncias, as motivações para a saúde concorrem em direto com a doença, na medida em que as pessoas procuram a conformidade das ações prescritas para recuperarem a saúde, nem sempre com sucesso.
É nossa perspetiva que os Modelos
de Prevenção da Doença e o Modelo Social de Crenças sobre a Saúde, em Portugal,
são conceitos que carecem de ser urgentemente definidos. Precisamos avaliar fielmente
o que as pessoas pensam, sentem, sabem e esperaram acerca da saúde, de forma a
criarmos e fornecermos estratégias com as quais construiremos crenças que
favoreçam, no futuro, atitudes direcionadas à saúde e diminuam os efeitos
deletérios de "ser doente".
Fernanda Mendes Barata